Esplendor do Barroco

Por: Maurício Pessoa

Imagine, com a agudeza de sua inteligência e o brilho de seus conhecimentos, a altiva figura do contratador João Rodrigues de Macedo, a subir a escadaria da Casa dos Contos, na antiga Vila Rica, onde ocorreram episódios da Inconfidência Mineira. Não será difícil esse exercício de imaginação graças aos traços ao mesmo tempo fortes e suaves do admirável trabalho de Elias Layon, numa sofisticada e rica obra composta por 103 pinturas registrando os mais diversos momentos de luz e sombra.

 

Layon, pintor de vasta sensibilidade, espia o mundo com olhos de bruma, que fazem parte de sua coleção admirada e cobiçada em todo o país. Seus pincéis desvendam o amanhecer de Mariana e de Ouro Preto com a singeleza do vôo das andorinhas das duas mais antigas cidades de Minas, onde a História convive com a tradição, sempre a exigir de seus pintores a firmeza estética e o rigor do conhecimento.

 

Elias Layon arma o cavalete e vai ao trabalho transmitindo a impressão de que o ato de pintar é sempre mais importante do que a coisa pintada. Naturalmente, conhece a integridade e a importância histórica desse casarão construído entre 1782 e 1784, mesmo porque, desde menino, em busca da melhor luz, repetia o gesto criativo de artistas magistrais, num canto da Rua São José onde tantas vezes viu Estevão procurando o mesmo ângulo.

 

Pintar os aspectos interiores da Casa dos Contos foi uma experiência nova para Layon. Seu exterior, um monumento barroco restaurado pelo Ministério da Fazenda em 1973, é um dos mais vigorosos símbolos do barroco mineiro, permanente desafio a esse artista que, para mim, não parece pintar o que vê, mas o que será visto. O interior do casarão instiga e convida o artista a retratar um dos mais importantes edifícios do acervo histórico fazendário de Minas Gerais. Habituado a severos desafios, o artista, a exemplo dos poetas, executa sua arte de pintar como sendo a arte de exprimir o invisível através do visível.

 

Salas imensas, janelas que se abrem para o enigma de Minas, alpendres emoldurados pelos vasos, pés direitos avantajados, degraus de madeira maciça, paredes sólidas que fazem parte da História de uma Pátria que, à maioria de seus filhos, deu apenas, aparentemente, um Hino e uma Bandeira. Layon demonstra que isso não é verdade. A pintura que sai de suas mãos protege superfícies contra o tempo e sempre atrai a admiração pela semelhança com coisas cujos originais nem sempre são tão admirados.

 

Depois de ver uma pintura de Elias Layon pode-se imaginar que a arte de pintar é, de há muito tempo, um segredo perdido e que os mestres que o praticam guardam com eles a chave. Layon tem uma cópia extremamente sensível dessa chave que somente pode ser tocada pelos grandes mestres. Que coisa admirável essas manchas de cores, esses traços que parecem se fundir ao imaginário embora seu modelo esteja ali mesmo, ao alcance dos dedos. Diante dessa quase transcendência não se pode deixar de acreditar na existência de seres que nada mais podem fazer senão criar belezas continuamente para se salvarem continuamente do horror do vazio e do nada.

 

Considerado o terreno em que se move, uma tela de Layon é quase um milagre. Feita para alimentar a inquietação de seu autor e para deslumbrar os que a vêm, de raro em raro perde o calor humano e continua dando a impressão de realidade imediativa. Elias Layon é um grande artista. E um grande artista é um grande homem numa grande criança. De tantos ofícios que há no mundo, Layon escolheu o de criar arte. O dia do artista não pode ser igual ao que passou. O pintor, como Layon, tem a condenação e o dom de nunca poder automatizar a mão, o gosto, os olhos, os pincéis. Quando deixa de descobrir, de sofrer a dúvida, de caminhar nas brumas está sofrendo. Para se livrar do sofrimento, esse anjo da pintura bate no vácuo suas asas luminosas.